Hoje trago uma adaptação de texto que escrevi no início dos anos 2000 e que, infelizmente, ainda é bem atual. O título faz referência a um país onde tradicionalmente as mulheres sofrem com severas restrições impostas por um ambiente social e político altamente repressivo. Aqui no Ocidente, nos horrorizamos com tais atrocidades, ignorando que temos os nossos “Afeganistões” bem embaixo dos nossos narizes. Alguns movimentos sociopolíticos que visam a promoção e proteção dos direitos das mulheres bradam aos quatro ventos contra determinados preconceitos de gênero. Ao passo que, de forma seletiva, ignoram solenemente as barbaridades às quais as mulheres são submetidas nas periferias. Nesses locais, as múltiplas carências se apresentam como facilitadores de exploração e violência.
Então, vamos ao texto: Dentre as crueldades praticadas pelos faccionados nas periferias, uma das que causam imensa repulsa é a sedução de jovens garotas. Tal fato conduz muitas famílias miseráveis a enxergarem nesse absurdo a única possibilidade de melhoria de vida. Nesse contexto, entregam suas meninas, muitas vezes recém-saídas da infância, para que se tornem mulheres da forma mais cruel.
Bailes Mandelas regados a muito álcool e drogas são utilizados para que os “frentes”, “patrões”, “generais”, etc. (como são conhecidos aqueles que possuem funções de liderança) escolham seus pares, que podem ser temporárias ou, de acordo com a vontade deles, tornar-se algo mais duradouro. Para chegar a esse “duradouro” relacionamento, as meninas usam dos mais variados artifícios, destacando-se entre eles a maternidade precoce, que infelizmente nem sempre é suficiente para gerar o mínimo de compaixão por parte do amado.
Abrir mão dos estudos e obediência cega às ordens do parceiro também são requisitos básicos para aquela que almeja ser a escolhida. Nunca o abandone, mesmo que queira, é a única forma de manter sua integridade física. O comumente visto como “bandido responsa” lava a sua honra ao menor sinal de “traição” — mesmo sem comprovação — lançando mão das seguintes atrocidades: cabelos raspados, espancamentos, estupros ou até mesmo assassinatos.
Obviamente temos aquelas que tentam resistir ao assédio dos criminosos. Às vezes, famílias inteiras se posicionam contra esse tipo de relacionamento. Nesses casos, quase sempre os desdobramentos são violentos e impiedosos, culminando com expulsões de residência e/ou mudanças intempestivas para outros bairros ou cidades mais distantes. São pessoas que se veem no dilema de largar tudo que construíram com muita luta em prol do bem-estar de suas filhas, netas, sobrinhas, etc.
Nos haréns mantidos por alguns bandidos encontramos ainda jovens de classe média ou alta com bom nível de instrução, que se sentem atraídas pela ilusão do poder paralelo exercido por eles. Uma estranha aventura por becos, vielas e bailes funks, onde passam a disputar o posto de primeira dama com as nativas, buscando uma afirmação aparentemente não encontrada no “asfalto”. Com isso, cai por terra toda aquela bobagem de que a falta de instrução, ignorância e ausência de perspectivas são componentes fundamentais nessas relações. Legiões de crianças frutos de amores bandidos, muitas delas criadas por tios, padrinhos ou avós dependentes de aposentadorias mínimas ou benefícios sociais, proliferam-se de forma descontrolada. A revolta com o dito “sistema”, tem razão de ser quando olhamos pela perspectiva dessas crianças e adolescentes que desde a infância sabem ser indesejáveis e invisíveis para todos, inclusive muitas vezes para seus próprios familiares.
Então, caro leitor, quando sentir aquele aperto no peito ao assistir notícias dos rigores e desrespeitos praticados contra o público feminino lá no Afeganistão, lembre-se de que existe algo parecido acontecendo há poucas centenas de metros de você.

Colunista Ten. Moraes.
👮🏼♀️Tenente da PMES
🗣️Palestrante
👮🏼♀️Especialista em PAAR e Organizações Criminosas do ES.
🗣️Compartilhando verdades e algo mais.