Por intermédio do poeta Homero, a mitologia grega nos oferece uma passagem na qual Ulisses e a tripulação de seu navio precisavam enfrentar sereias que tinham um lindo canto, porém mortal. A fim de evitar a tentação, Ulisses pede aos seus marinheiros que tapem os ouvidos com cera e se atem ao mastro do barco.
Ele sabia que não teria autocontrole para suportar o canto das sereias e, por isso, recorreu a essa estratégia que ficou conhecida como “O Contrato de Ulisses”. Essa pérola da mitologia nos faz refletir sobre quais são os Contratos de Ulisses que os nossos jovens e crianças têm disponíveis para resistir às tentações de recompensas imediatas, muitas delas tão perversas quanto o canto da sereia.
O uso de drogas, cometimento de crimes, toda sorte de comportamentos reprováveis do ponto de vista do convívio social, são práticas observadas em indivíduos cada vez mais jovens, que não encontram freios e contrapesos eficazes no processo inicial de sua construção enquanto ser humano.
A tríade família, escola e igreja, reconhecidamente aparelhos primários e valorosos na formação do caráter e construção das dimensões psicológicas e sociais do indivíduo, parece ter entrado em uma espécie de “bug” permanente daqueles que observamos em computadores com vírus.
Não se reconhecem mais as fronteiras de responsabilidade, já que são transferidas de um lado para o outro. A família acredita que a educação é responsabilidade da escola, afinal de contas, estamos todos muito ocupados com nossos afazeres do mundo moderno.
A escola preocupa-se única e exclusivamente com a educação formal, muitas vezes alicerçada em doutrinações e crenças nada convencionais. Já a Igreja, esqueça, pura “caretice”, né?
O Estado, por sua vez, também falha na oferta dos “Contratos de Ulisses”, ferramentas que teriam força suficiente para atar os jovens ao mastro do barco, impedindo que caiam no canto da sereia. O controle percebido da norma, ou seja, o sistema de justiça, tem sua atuação precarizada por conta de crenças ideológicas nada pragmáticas. Uma complexa estrutura estatal que não consegue reprimir e recuperar de forma eficaz.
Dessa forma, o jovem que já vem fragilizado pela falha ou ausência dos primeiros aparelhos de socialização é seduzido pela quase certeza da impunidade, algo corroborado por estudos que apontam que 95% dos primeiros crimes praticados dão certo. Particularmente, após 30 longos anos de polícia e de ter testemunhado de tudo um pouco, ancorei a minha opinião quanto ao sucesso na criação de um jovem no que classifico como “meio a meio”. Explico: Parte da ‘boa criação’ está sob a responsabilidade dos pais, e os outros 50% entregues à genética e ao fator sorte.
Portanto, mesmo oferecendo o melhor “Contrato de Ulisses” para os nossos filhos, não estamos isentos de perdê-los para as profundezas do rio, arrastados pelo canto das sereias.
Por Everton Moraes Concha.

Colunista Ten. Moraes – @moraespontaum
👮🏼♀️Tenente da PMES
🗣️Palestrante
👮🏼♀️Especialista em PAAR e Organizações Criminosas do ES.
🗣️Compartilhando verdades e algo mais.